Projeto 10 cumes do Grupo Paulista de Montanhismo – PARTE IV
Textos de Claudinei Dias da Silva e Flávio Kitahara
A QUE PONTO CHEGAMOS…
Já dizia o motorista. Ao parar o micro-ônibus no meio da noite, ele anunciou:
– Espera Feliz!
Depois de mais de 12 horas de viagem a partir de Sampa, os passageiros já não tinham mais paciência e resmungaram:
– Não dá para esperar feliz, Seo Motorista! Bora tocar para chegar logo!
– Espera Feliz é o nome da cidade que chegamos, – esclareceu o motorista para o espanto dos passageiros – uma breve parada e tocamos em frente! Falta pouco!
Mais 30km e estaríamos em Pedra Menina, próximo a Portaria do Parque Nacional do Caparaó. Era 21 de abril de 2005.
TUDO É PASSAGEIRO…
Tirando o motorista e o cobrador, todo o resto é passageiro! Embarcaram em Sampa rumo ao Parque Nacional do Caparaó os passageiros:
Alex Zacharauskas, Bernardo Ioshinori Narutaki, Carla Anita Tanaka, Cláudia de Caiado Castro, Claudinei Dias da Silva, Daniela Corci Cardoso, Danilo Allegrini, Ding Xu, Edi Fernando Vieira Filho, Eduardo Sertório, Emerson José Aguiar, Enzo Ebina, Flávio Masahiro Kitahara, Fredson Lopes de Macedo, Lúcia Helena de Carvalho, Nanci Yuko Kaneko, Ricardo Suzuki, Roberto Augusto Rosa, Rosângela Sonoe Nakashima, Simone Yumi Moniwa e Yoshimi Nagatani.
Na
direção do micro-ônibus, o Sr. Akira e dirigindo o grupo, o Claudinei Dias da
Silva. Afinal de contas, quem é?
CLAUDINEI DIAS DA SILVA, O CAO
Descobriu o caminho das montanhas em 1988, com o pessoal do Centro Excursionista Universitário (CEU), e depois passou a escalar, se enfiar em cavernas, andar de mountain bike, canoa, jipe e a correr, de provas de 10 km até maratonas. Formado em Processamento de Dados pelo Mackenzie e com pós em Administração pela FGV, no horário comercial se disfarçava de especialista em softwares de mainframes IBM.
Atualmente, é praticante de Yoga e Tai Chi Chuan, ministra cursos e atendimentos em Astrologia e Reiki.
Dedica-se este texto para ele, Claudinei Dias, um dos fundadores do Grupo Paulista de Montanhismo, por sua coordenação e participação significativas no Projeto 10 Cumes do GPM, pelo seu voluntariado por duas décadas na formação de montanhistas, tanto no CEU, quanto no GPM.
Por ocasião da comemoração do 15º aniversário do GPM, foi um dos 15 instrutores homenageados por reconhecimento à dedicação e contribuição para a formação de montanhistas.
PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ (PNC)
A origem do nome Pico da Bandeira nos remete a 1859, quando o imperador Dom Pedro II determinou que fosse hasteada uma bandeira do império no ponto mais alto do Brasil, então localizado na Serra do Caparaó, divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
O presidente Jânio Quadros não deu bandeira, viu o potencial da região e criou o Parque Nacional do Caparaó em 24 de maio de 1961, atualmente com aproximadamente 31,8 mil hectares.
O Pico da Bandeira com 2.891,3 metros, reinava soberano como ponto culminante do país por mais de um século até 1968, quando a Comissão Demarcadora de Limites definiu a fronteira com a Venezuela, englobando-se os Picos da Neblina (2.995,3 m) e 31 de março (2.974,2 m).
CAPARAO é uma palavra de origem indígena Tupi. Há várias interpretações para o seu significado, sendo que a mais aceita é “águas cristalinas que descem a montanha”.
A versão popular da origem do nome é que havia na região um touro indomável chamado Ó. Para cortar suas asas, reuniram um grupo de boiadeiros para castrá-lo. Foi o Ó do borogodó e a vaca foi para o brejo… Caparam o Ó…
Pelo estado de Minas Gerais, é possível acessar o PNC pela Portaria Alto Caparaó no município homônimo. Seis quilômetros adiante está Tronqueira (1.970 m de altitude), a primeira área de acampamento e ponto final para quem sobe de auto pela estrada. A partir daí, 3,7 km a pé, alcança-se o Terreirão (2.370 m de altitude), segunda área de acampamento com infraestrutura, sanitários e chuveiros e, mais 3,2 km até o cume do Pico da Bandeira.
Já pelo estado do Espírito Santo, a entrada é pela Portaria Pedra Menina, distrito homônimo do município de Dores do Rio Preto, igualmente com duas áreas de acampamentos: Macieira (1.800 m de altitude), a 3,3 km da portaria e, 5,7 km adiante, Casa Queimada (2.160 m de altitude). Da mesma forma, alcança-se o cume 4,2 km adiante.
Além dos mais populares Pico da Bandeira (2.891,3 m) e Pico do Cristal (2.769,9 m), respectivamente terceiro e sexto pontos mais altos do país, o PNC abriga outros relacionados entre os 20 mais altos segundo o Anuário Estatístico do Brasil (AEB) 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São eles: 12º – Morro da Cruz do Negro (2.658,0 m), 13º – Pedra Roxa (2.649,0 m), 14º – Pico dos Cabritos ou do Tesouro (2.620,0 m) e 20º – Pico do Tesourinho (2.584,0 m).
Vale a nota aqui, é possível alcançar esses seis cumes num único dia como assim o fez o fotógrafo, montanhista e alpinista Edson Vandeira, associado do GPM.
UM ANO ANTES…
Claudinei Dias esteve no PNC com sua esposa em 2004, um ano antes do P10C, e subiram o Pico da Bandeira. Para a ascensão, a entrada por Minas Gerais era a mais indicada: a estrada interna do parque permitia ir de carro até uma área de acampamento (Tronqueira) e à Casa de Pedra, um velho e precário abrigo de montanha. A trilha era íngreme, mas sem dificuldade digna de nota. Havia muito lixo na trilha e no pico. Recolheram tudo que puderam trazer de volta nos sacos que levaram para isso. Para acessar o Pico do Cristal seria preciso entrar pela portaria do Espírito Santo ou tentar ir pela crista da serra até chegar ao pico. Sem mapa, sem informação e sem tempo, desistiram de ir.
LÁ VAMOS NÓS DE NOVO!
Assim, para as ascensões com o GPM em 2005, Cao optou por entrarem pelo Espírito Santo, montar o acampamento-base em Casa Queimada, numa altitude menor e numa distância maior dos dois picos, mas com possibilidade de fazer um cume por dia.
No feriadão de Tiradentes, foram de micro-ônibus de São Paulo até Pedra Menina, pernoitaram e contrataram duas Toyota Bandeirante que os levariam até Macieira, onde fariam o resgate no domingo à tarde.
Montaram acampamento, organizaram a subida e, conforme planejamento, fizeram primeiro o Pico do Cristal, mais baixo e mais próximo. Como não havia trilha para o pico, pegaram informações no parque, dicas na internet, marcações de GPS e começaram a subida. Foi usada uma estratégia que seria empregada também na Pedra do Sino de Itatiaia, outro pico sem trilha: quando havia dúvida sobre qual poderia ser o melhor caminho para alcançar o cume, as pessoas que estavam em grande condição física, sem mochila e sem carga nenhuma, faziam o papel de batedores; elas voltavam com as informações e a partir daí, optava-se por onde ir. Danilo e Fred fizeram essa função. O pessoal que estava com condição física moderada ia no meio do grupo. E na retaguarda iam outros em boa condição física, junto aos que tinham maior dificuldade, como o Roberto Rosa, “pai” do P10C que estava convalescente de um acidente de moto, mas que valentemente participou das ascensões.
Nas primeiras saídas, Cao levou uma lata de halawi (pronuncia-se “raleu”), um doce sírio/árabe feito à base de gergelim. Quem já conhecia, curtiu. Quem não conhecia – a maioria do pessoal – a princípio olhou com desconfiança, mas depois que provou, virou fã. O halawi passou a ser item obrigatório nas saídas seguintes e virou incentivo aos batedores para procurarem o melhor caminho.
Dessa forma, todo o grupo fez o cume do Cristal no sexta, voltaram ao acampamento para o pernoite e no dia seguinte saíram para o Pico da Bandeira, mais distante, mais alto, porém com trilha demarcada. Suzuki, Sonoe e Claudia Caiado permaneceram no acampamento e tiveram papel fundamental a ser revelado mais adiante.
Fizeram o cume, com as fotos tradicionais, lanche e longo momento recolhendo o lixo alheio: assim como no ano anterior, Cao e o grupo contribuíram para a “Montanha Limpa”.
Montanha Limpa – são ações voluntárias de conservação das montanhas através de um mutirão de coleta de lixo, limpeza de pichação, limpeza de magnésio de boulders e manutenção de trilhas organizadas por entidades de Montanhismo em dia específico ou livre. Teve origem no Programa Adote uma Montanha organizado em 2002 pela Federação de Montanhismo do Estado de São Paulo (FEMESP).
Chegaram ao acampamento quase juntos com as Toyotas que os resgatariam; havia pouquíssimo – ou nenhum – tempo para tomar banho, trocar de roupa, comer alguma coisa, desmontar barracas e arrumar as mochilas. E foi exatamente isso que pensaram as três pessoas que ficaram no acampamento: quando o grupo chegou, o trio tinha desmontado e guardado as barracas, adiantado o máximo que puderam para que todos ganhassem tempo. Não se soube se foi uma comunicação telepática inconsciente, mas com certeza foi uma prova sensacional de sintonia e companheirismo. Era o início do retorno para casa, onde chegaram no domingo. Dali a algumas horas, todos vestiriam seus disfarces profissionais e retomariam suas tarefas aguardando ansiosamente a próxima aventura…